quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Fragmentos de um velho diário de viagem

Foto de Simone Carboni P. - Vênus de Milo - Museu do Louvre-Paris

7 de maio de 1973.Chegamos de manhã à Gênova, terra de Cristovão Colombo descobridor da América, que tem sua memória reverenciada em um pátio onde estão desenhadas a flores suas três caravelas: Santa Maria, Pinta e Niña. Achei a cidade triste pelos seus telhados cinzentos de casas antigas. Desde a idade média é um porto comercial importante por onde chegavam as especiarias vindas das Índias. O guia Sr. Pietro sugeriu-nos uma visita ao porto, aceita pela maioria, mas eu, meu marido e os companheiros Antonieta e Licurgo Capinzaiki (que Deus os tenha) optamos por uma visita ao Campo Santo que, aliás, estava no meu roteiro.
Bruno, outro guia, nos acompanhou. Por que tanto interesse por um cemitério? Este é um dos mais famosos e belos do Mundo pela magnificência das suas esculturas. A esperança das pessoas ricas e bem apanhadas na vida era perpetuar sua memória através de monumentos , muitas vezes obras gigantescas como as pirâmides do Egito. Por elas podia-se avaliar o status econômico do falecido. O cemitério de Gênova pelo valor artístico de suas esculturas tornou-se uma atração digna de ser vista. Cada escultor deu tudo de si para que seu nome também passasse para a prosperidade. Era impossível avaliar a obra mais bela e mais significativa, qual o epitáfio que mais de perto falasse ao coração.
Bruno ia nos explicando os dizeres, muitos deles, com uma filosofia tão profunda, que fazia reavaliar a nossa passagem pela Terra. Uma das mais belas e emocionantes esculturas era conhecida como "L´último sagrado", o derradeiro olhar. O escultor criou uma cena tão comovente que não há quem não se emocione ao contemplá-la: a expressão de angústia e desespero da mulher levantando o lençol mortuário para contemplar pela última vez o marido morto. Quem já não sentiu a dor do último adeus à uma pessoa querida?
Assim fomos levados de emoção a todos os sepúlcros mas, Bruno fez questão de nos levar a um todo especial, de uma vendendora ambulante que trabalhou a vida toda guardando dinheiro para ver realizado o seu sonho: ter uma estátua na morada eterna.
Pela inscrição, ela mesma serviu de modelo ao escultor. Bruno pediu-me que a descrevesse: senhora idosa pelas rugas em seu rosto, percebia-se que não tinha dentes, pelos lábios murchos e vincados, pelos trajes, era uma camponesa com a saia rodada amarrada à cintura, lenço à cabeça e nos pés chinelos e meias rústicas. Pelos dizeres gravados, seu nome era Caterine Campadônico. Tão perfeita era a estátua, que parecia vê-la viva. Saímos impressionados com o famosos cemitário e na saída vimos um monge com seus trajes típicos lendo absorto um breviário. Ao aproximarmos percebemos que se tratava de uma magnífica escultura.
Essas vaidades hoje não existem. A vida moderna eliminou nosso modo de pensar. Hoje o homem não se preocupa com seu amanhã no além. A luta pela vida, os desajustes na sociedade só lhe permitem pensar na sobrevivência.
O corpo pode se transformar em cinzas pela cremação na Vila Alpina lembrando a frase repetida na Quarta Feira de Cinzas: " Lembra-te homem, que és pó e em pó se tornarás".
Vovó Guita