No meu tempo...Quando eles eram pequenos...é o bastante para puxar o fio da memória e iniciar um relato de vida. Pinceladas de vida se armazenam na memória do tempo. A emoção carrega nas tintas colorindo mais este ou aquele pormenor e esmaecendo o pano de fundo: A lembrança. Realidade ou fantasia? A recordação toma do pincel, recriando quadros com a nitidez do presente.Para emoldurá-los é evocada a saudade.Basta apenas a autora assinar o seu nome. "REMINISCÊNCIAS"
Tornei-me à Santa Cruz. Acontece que meus seis netos, vindos de Presidente Prudente, acharam por bem passar as férias com minhã irmã, na casa que era da minha mãe. O Rio Pardo exerce sobre eles grande atração, principalmente o Clube Náutico que lhes oferece horas de lazer. Os pais de uns estão gozando as férias no Nordeste, enquanto os outros foram conhecer o Pantanal antes que ele se acabe. Para "aumentar o time", vieram duas sobrinhas - netas do Rio, cujos pais estão em um congresso na Irlanda. Como criança atrai criança, os primos de Santa Cruz também vêm se reunir e está armado o circo. Discutem, brigam, mas, não se largam! Até para armar o jogo de futebol. Sempre há um lider que distribui os jogadores no campo e dita as regras do jogo. O Duda é o tal e até ganhou apelido de Ulisses Guimarães. Rogério não vê com bons olhos a liderança do Duda. Teima em não aceitá-lo.é o Covas! Mas depois de tanta discussão, entram em um consenso (estou parodiando a Assembléia) e lá vai a turma jogar no Náutico. E todos se esquecem das horas. Daí a pouco ouve-se um vozerio. São eles que estão chegando. Pela sujeira das roupas, o jogo foi renhido. O menorzinho chama o primo de " frangueiro", pois deixou passar muitas bolas. Chegou a minha vez de agir. Obrigo-os ao banho. Não há banheiros para todos de uma vez. Brigam, discutem, até que vou apaziguá-los. Jantam e correm para a televisão. Em Santa Cruz a Globo é o canal que pega melhor. Os outros não são nítidos. Para que tudo corra bem, ficamos com eles na sala. Mas a Globo não coopera: Além daquelas intragáveis vinhetas " Esta onda pega", há a propaganda de prevenção à Aids. Fernando , o caçula, está com os olhos pregados na televisão.Presta muita atenção na atriz Irene Ravache, ensinando a previnir a doença. Não se conteve. -Vó , a Aids mata mesmo? -Mata sim. - Então você faz uma camisa de mangas bem compridas e gola alta para eu não pegar Aids? Minha irmã sai rindo. Os maiores trocam olhares maliciosos. Aproveito, desligo a televisão e coloco-os na cama. -Todos vão rezar e pedir ao " Anjinho da Guarda" que tenha paciência com vocês. Mas até a hora de rezar eles se fiscalizam. -Vó, o Fernando não rezou. Ele não abriu a boca. Fernando, sonolento, responde: -Rezei, sim, vó, rezei nos pensamentos. Rio, apago a luz e dou-lhes uma "boa noite". Vai daí que me lembro da minha mãe quando dizia que os netos davam-lhe duas alegrias : O dia que vinham e o dia que iam embora.
O Colégio São Luís, em São Paulo, não dá trégua aos alunos, nem nas férias. Vai daí que meu neto quis valer-se dos meus préstimos. - Vó, você me ajuda a falar sobre Ulisses? - O quê? Ulisses Guimarães, aquele presidente do PMDB, que quer continuar no cargo, ser presidente da Cãmara, vice-presidente da República e não sei mais quantos cargos? Valha-me Deus! Ele e a bancada do seu partido estão numa euforia de distribuição de cargos e favores que se esqueceram da Constituição. Não, não conte comigo. -Tá biruta, vó? (olha a irreverência) é o Ulisses da guerra de Tróia. - Ah! Aquele Ulisses que não enrolou o povo com palavrório, mas foi a expressão máxima da força e coragem? -É vó, é a Odisséia que já li e tenho que resumir. -Presente de grego você me deu. Vou ter que ler toda Odisséia? - É vó, faça-me este favor. Essa é boa, ter que sair de Tróia com o barco de Ulisses à deriva, chegar à terra de Cíclopes, da feiticeira Circe e em não sei quantas ilhas e guardar todos aqueles nomes esquisitos. No meu tempo de estudante era um verdadeiro castigo ter que ler a Ilíada e a Odisséia.Detestava mitologia grega. E agora? Por causa do neto, tenho que aguentar o Ulisses. Mas, comecei a ler. Torcia para o nosso herói chegar logo à sua terra ítaca, mas qual, o barco teimava em ir a outras plagas. Pulei folhas, lia por cima, mas, nada de Ulisses chegar. Dez anos vagando por mares desconhecidos, errando sempre o caminho. Penélope, sua fiel esposa, exemplo de fidelidade conjugal, não perdia a esperança de vê-lo de volta (Será que ainda há Penélopes em nossa era?). Pulei mais folhas até entregar Ulisses são e salvo à Penélope. Final feliz! Arre! Suspirei aliviada e entreguei o resumo ao neto. -Vó, você sabia que o Homero, o autor de Ilíada e Odisséia era cego? Pensei: Calcule se enxergasse! Depois fiquei matutando. A gente estuda tanto, queima as pestanas nos livros e pensando bem, o que adianta saber se o fraco do Aquiles era o calcanhar, se Herôdoto era o maior historiados grego, os poemas épicos de Homero, Virgílio, se não passei de uma simples professora primária, com um ordenado inferior ao de uma faxineira que nunca esquentou a cuca? Então bati os olhos em uma frase dita por um recém-eleito governador que está se tornando folclórico nos anais da política. Disse que vai batalhar no seu governo pelas três letras: O, Ç, C : " Onestidade, çaúde e cegurança". Não falou nada sobre educação. Também pra quê? Ele não teve necesidade dela para se eleger! É, como diz Araci de Almeida: " Estamos conversados".
Bem -vindos ao Blog dedicado à Nilza Guimarães Carboni que durante anos escreveu crônicas para o jornal "COMÉRCIO DO JAHU"! Aqui vocês encontrarão algumas de suas crônicas e uma homenagem saudosa à essa professora, mãe e avó dedicada. Deixem seus comentários !