domingo, 29 de abril de 2007

O outro Ulisses


Jaú, 04 de fevereiro de 1987.

O Colégio São Luís, em São Paulo, não dá trégua aos alunos, nem nas férias. Vai daí que meu neto quis valer-se dos meus préstimos.
- Vó, você me ajuda a falar sobre Ulisses?
- O quê? Ulisses Guimarães, aquele presidente do PMDB, que quer continuar no cargo, ser presidente da Cãmara, vice-presidente da República e não sei mais quantos cargos? Valha-me Deus! Ele e a bancada do seu partido estão numa euforia de distribuição de cargos e favores que se esqueceram da Constituição. Não, não conte comigo.
-Tá biruta, vó? (olha a irreverência) é o Ulisses da guerra de Tróia.
- Ah! Aquele Ulisses que não enrolou o povo com palavrório, mas foi a expressão máxima da força e coragem?
-É vó, é a Odisséia que já li e tenho que resumir.
-Presente de grego você me deu. Vou ter que ler toda Odisséia?
- É vó, faça-me este favor.
Essa é boa, ter que sair de Tróia com o barco de Ulisses à deriva, chegar à terra de Cíclopes, da feiticeira Circe e em não sei quantas ilhas e guardar todos aqueles nomes esquisitos.
No meu tempo de estudante era um verdadeiro castigo ter que ler a Ilíada e a Odisséia.Detestava mitologia grega.
E agora? Por causa do neto, tenho que aguentar o Ulisses. Mas, comecei a ler.
Torcia para o nosso herói chegar logo à sua terra ítaca, mas qual, o barco teimava em ir a outras plagas. Pulei folhas, lia por cima, mas, nada de Ulisses chegar. Dez anos vagando por mares desconhecidos, errando sempre o caminho. Penélope, sua fiel esposa, exemplo de fidelidade conjugal, não perdia a esperança de vê-lo de volta (Será que ainda há Penélopes em nossa era?). Pulei mais folhas até entregar Ulisses são e salvo à Penélope. Final feliz!
Arre! Suspirei aliviada e entreguei o resumo ao neto.
-Vó, você sabia que o Homero, o autor de Ilíada e Odisséia era cego?
Pensei: Calcule se enxergasse!
Depois fiquei matutando. A gente estuda tanto, queima as pestanas nos livros e pensando bem, o que adianta saber se o fraco do Aquiles era o calcanhar, se Herôdoto era o maior historiados grego, os poemas épicos de Homero, Virgílio, se não passei de uma simples professora primária, com um ordenado inferior ao de uma faxineira que nunca esquentou a cuca?
Então bati os olhos em uma frase dita por um recém-eleito governador que está se tornando folclórico nos anais da política.
Disse que vai batalhar no seu governo pelas três letras: O, Ç, C : " Onestidade, çaúde e cegurança". Não falou nada sobre educação.
Também pra quê? Ele não teve necesidade dela para se eleger!
É, como diz Araci de Almeida: " Estamos conversados".

VOVÓ GUITA

Clique nos cubos para ampliar as fotos:





Um comentário:

Anônimo disse...

Linda as fotos, lindas!