segunda-feira, 23 de abril de 2007

Reminisciências da vovó


Jaú, 4 de abril de 1986.

Meu Neto

Quando ouço Ângela Maria cantar " Gente Humilde" meu pensamento se transporta para uma cidadezinha do interior, no Vale do Paranapanema antigo, pouso e passagem de boiadas para o Mato Grosso. Diziam os antigos que lá viviam os índios xavantes. Foi nela que a sua avó nasceu e passou os melhores dias da sua infância. A vida naquela pequena vila era pacata, sossegada, só quebrada de vez em quando pelo aboio triste dos boiadeiros em suas andanças pelo sertão. Quando a gente ouvia o tocar do berrante, largava todos os brinquedos de rua, corria para casa, fechava as portas e ficava nas janelas vendo a boiada passar. Ficava-se em silêncio, não podia gritar para não espantar os bois... Ah! Se alguma rês se desgarrasse do rebanho e saísse em disparada...Lá se ia a boiada toda em debandada, sem que ninguém pudesse contê-la. Um rio caudaloso, de águas límpidas ( ainda não estava poluído) banhava a cidade e todo o quintal da chácara onde morávamos. Os habitantes eram pessoas simples, humildes, quase todos lavradores, salvo alguns pecuaristas. Havia tanta solidariedade entre eles, quer nas horas amargas, quer nas alegrias. Não havia discriminação nem quanto à raça, cor e vantagens econômicas. Formavam uma grande família, ajudando-se mutuamente. A vida social girava em torno da igreja com seu coreto, uma bandinha de música que alegrava as festas religiosas e alguns bailes familiares. Para aquela gente a figura mais importante do lugar era o padre. Mas, a maioria de seus habitantes era formada de mineiros. E como os nortistas se notabilizavam nas letras, os mineiros são loucos por política. Entre eles sobressaía-se um pecuarista, compadre de meu pai, (também papai era compadre de todo mundo) um senhor muito honrado e estimado. Era o coronel Manuel Garcia ( Mané Garcia como o chamavam). Tornou-se então o chefe político e polarizava todas as atenções. O coronel era o protótipo do político mineiro: Maneiroso, fala mansa, rodeando para entrar em assunto sério (como quem come polenta quente e fica passando devagar a colher à beira do prato), convicto em suas idéias. Mas era pouco letrado. Sempre recorria ao meu pai quando ia falar nos comícios ou receber visitas de algum político da capital. Papai, porém, evitava colocar certas palavras no discurso, porque o coronel não sabia pronunciá-las. Certa vez papai colocou a palavra " caravana", muito comum nos discursos políticos, certo de que a pronúncia era fácil. Pois o coronel postou-se como um verdadeiro orador e leu com voz imponente: Esta " caravana política". Falando errado, o certo é que o coronel tinha passagem no meio da alta cúpula política e mostrava, vaidoso, fotografias tiradas junto aos altos mandatários. Meu irmão não queria continuar os estudos, por mais que meu pai o aconselhasse, mostrando-lhe que a instrução fazia parte da vida futura, que o homem instruído estava preparado para vencer, quem não estudasse tornava-se um pária na sociedade, nada disso convencia meu irmão. Um dia papai irritou-se : " Afinal, o que você quer ser quando crescer?" "Quero ser igual ao coronel Mané Garcia", respondeu meu irmão. Não quis mesmo continuar os estudos, seguiu as pegadas do coronel. Foi o único politiqueiro da família.

VOVÓ GUITA

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