segunda-feira, 23 de abril de 2007

Reminiscências



Jaú, 09 de maio de 1986

Meu Neto

Na cidadezinha onde sua avó morava, aquela gente, apesar de humilde e semi-analfabeta, tinha sua filosofia de vida.
Quando eu cursava o primário e estudava os rios do Estado de São Paulo, notava que seu Zé Severino, meeiro do meu pai, apesar de analfabeto, sabia mais geografia que qualquer aluno da minha classe. Nas suas andanças como tropeiro, ele armazenou muitos conhecimentos: Conhecia palmo a palmo o rio Paraná e seus afluentes, com todas as manhas, nas enchentes e vazantes. Discorria também sobre as serras, com tanta sabedoria e nitidez, no seu linguajar caboclo, que aprendi mais com ele, que na escola.
É que seu Zé entremeava seus conhecimentos com lendas e passagens interessantes!
Gabava-se de ter matado muitas onças (Ah! A nossa ecologia).
Naquele tempo ninguém conhecia agronomia, mas seu Zé sabia onde podia plantar café: "Onde o jacu pia" dizia ele ( hoje não existe nem jacu).
Não havia aparelhos meteorológicos, mas aqueles caboclos pressageavam o tempo com tanta convicção, que não se enganavam.
Você reparou que o " homem do tempo" muitas vezes falha nas previsões?
Lembro-me de ter lido sobre o espanto de um explorador inglês na África, quando percebeu que os prognósticos meteorológicos dos negros suplantavam seus aparelhos!
Mas aquela gente da cidadezinha gostava de sentenciar. Quando uma moça era espivetada, muito saliente, vinha a sentença: " melancia de beira de estrada ninguém apanha" ou " laranjeira à beira da estrada ou é azeda ou tem marimbondo".
Se algum agregado revoltava-se contra o patrão, vinha; "Não cutuque onça com pau curto".
Certa vez, esteve lá um candidato a deputado.Veio recomendado ao meu pai, pois era parente de um seu ex-colega. Como andorinha só aparece no verão, os políticos só aparecem nesses lugarejos por ocasião das eleições à cata de votos.
Hospedou-se em casa, falou sobre sua plataforma política, era muito educado e conquistou a simpatia de todos.
À noite, houve uma reunião política para definição do candidato do partido e meu pai teceu comentários elogiosos ao rapaz, procurando carrear-lhe os votos. O coronel Mané Garcia ajeitou-se, tirou os óculos, limpou-os, colocou-os de novo, pigarreou e sentenciou:
-Cumpadi, " não gabe a égua antes de subir o morro".
Quanta verdade há nessa sentença! Quantas vezes a gabamos e ela empaca na subida!
Outras vezes, ela é tão gabada, tão elevada aos píncaros da glória, sem mesmo ter subido o morro e mostrado que aguentou a carga!
A filosofia cabocla não tem um fundo de verdade?

VOVÓ GUITA



Um comentário:

Anônimo disse...

Para pessoas que utilizam a internet sequiosos por conhecimento - o mais importante - este artigo é grande valia. Parabéns aos seus idealizadores. Até mais!
Sebastião Jr. 13/07/2009 Janaúba-MG